Era mais de meia-noite e ela não conseguia dormir. Sentia-se angustiada, confusa, triste.
Irremediavelmente as lágrimas começaram a lavar-lhe a face pálida. Não conteve o soluço que lhe oprimia o peito e chorou copiosamente. Estava com pena de si mesma. Mas sabia que precisava mudar, que precisava, ela mesma, distribuir as cartas no jogo. Não podia permitir que as hábeis mãos do destino fizessem dela uma marionete.
Levantou. Olhou-se no espelho e não conseguia se reconhecer. Estava magra, abatida. Sentia-se desprotegida. Não encontrou o brilho costumeiro no olhar. Via-se diante de uma estranha.
Onde estavam os planos? Por que não conseguia mais sonhar com o mesmo entusiasmo?
E, então, sentiu-se vazia, oca. Nada por dentro... Nada! Aquela estranha do espelho não podia ser ela. Parecia tão... frágil! Pensou que nada mais fazia sentido. E de que adiantava viver por viver? É... a vida tinha perdido a graça.
Como se estivesse assistindo um filme, foi capaz de voltar algumas cenas da própria vida. Procurou se lembrar onde, exatamente, tinha errado. O mais desesperador é que não conseguia saber em que momento tinha deixado a felicidade escapar-lhe, como a areia fina que escapa entre os dedos.
Repensou suas atitudes, suas decisões e... nada! Por mais que se esforçasse, era como se o diretor do filme houvesse editado-o, cortado aquela parte. Talvez ele soubesse que não faria bem a ela recordar.
Olhou-se novamente no espelho. Achava-se tão pequena! Observou o rosto algum tempo. Deteve-se nos lábios. Achava os lábios bonitos. Eram cor de carmim. Observou o resto do corpo. Apesar da magreza, achou que era bem desenhado. Tentou imaginar se alguém, algum dia, já tinha achado isso também. Agora isso não parecia ter qualquer importância.
Saiu do quarto, nua, e caminhou pelo apartamento vazio. Entrou em todos os cômodos e nenhum deles lhe despertou qualquer lembrança verdadeiramente feliz.
Nesse momento, já não havia mais lágrimas. Elas tinham secado. Ela tinha secado. Estava seca e não tinha mais sede de viver.
Abriu a porta e olhou pela sacada. A noite estava fria, mas ela não sentia frio. Ficou olhando os poucos carros que passavam na rua. Primeiro de longe. Depois mais perto. E mais perto ainda. Sentiu uma dor dilacerante. E, depois, não sentiu mais nada.
2 comentários:
cruzessssssssssssss..rs..rs..
Oi Evelin, estava eu na internet e encontrei este texto abaixo. Imediatamente me lembrei de sua crônica. Até que elas são um tanto parecidas, não acha? Bjs
"A queda
por Ricardo Gondim
Na encosta esquerda do despenhadeiro, restos de uma história que nunca aconteceu bloqueavam a magra rota por onde trafegavam peregrinos tristes. Na direita, por onde se avistava a pradaria dourada, sobravam talhes de nogueiras, que em tempos remotos se curvavam sobre a face do abismo.
Eu seguia circunspeto pela senda da esquerda, mas ia de queixo erguido. Minha altivez era recusa. Eu não queria encarar o viscoso refugo humano que me atolava até o joelho. Todas as neuroses do mundo se adensavam em meu olhar inchado, mas nunca sobranceiro – Neurose é o meio de evitar o não-ser evitando o ser (Tillich).
Por um átimo, voltei-me para espiar o prado que transformara o sol de prata em ouro. Desequilibrei-me. Sem achar uma alça para segurar, despenquei. Em queda livre, ainda tive tempo para pensar: "Espero que a batida lá em baixo seja indolor"."
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